Fazer a cobertura de eventos de poker ao vivo não é tarefa fácil, ainda mais quando o assunto é um gigante como o BSOP Millions. São 10 dias, dezenas de torneios, quilômetros caminhados e muitas histórias para contar. Por isso, quando fui convidado pelo PokerStars para disputar o Mega Freeroll, durante o último dia do evento, não pensei duas vezes em aproveitar essa oportunidade de descontrair um pouco.
A participação no Torneio de Imprensa havia sido, literalmente, a pior possível, com a eliminação vindo logo na primeira mão. Não deu para matar a vontade de embaralhar fichas, ver flops e, por um momento, estar sentado na mesa e não ao lado dela, acompanhando o jogo. Peguei minha camiseta amarela e parti em direção à multidão que já se agrupava nas mesas, chamados, em uma piada comum nas mesas, de BSOP Minions.
Passo o olhar pelas mesas e logo percebo que este não é um freeroll comum, o que era de se esperar pelo tamanho da premiação: um pacote completo para jogar o PokerStars Caribbean Adventure, nas Bahamas. No field, estavam nomes como Yuri Martins, Oderlândio Moura, Emerson Sheik, que viria a ser meu carrasco, e até Daniel Almeida, que sentou nas mesas do evento gratuito minutos após levar quase R$ 240 mil pelo sexto lugar no Main Event. Para piorar, o último dia do Millions não é exatamente dos mais tranquilos, com vários torneios importantes acontecendo simultaneamente e a briga pelo ranking pegando fogo.
O jogo começa, assim como as falinhas, trazendo um clima muito diferente que o de um torneio normal. Logo em uma das primeiras mãos, por exemplo, após apostar no river um jogador ouve “falou que não sabia jogar e agora já aprendeu a roubar?”, ao que responde “é a coragem da cerveja”. Pouco tempo depois, o mesmo jogador aposta no river e avisa: “vou apostar 1.000 para ajudar meu amigo”, gerando risadas em toda a mesa e a resposta: “perder ficha é o de menos, pior é a falinha”.
Para mim, tudo corria bem, tinha eliminado dois adversários em mãos que jogaram sozinhas e já somava cerca de 13.000 fichas das 5.000 iniciais. O tempo, no entanto, corria contra mim. Marcelo Mesqueu estava short em seu último torneio e, caso fosse eliminado, Affif Prado se sagraria campeão, cabendo a mim a tarefa de entrevistá-lo. Decidi, então, jogar de forma mais agressiva e cheguei a 20.000 fichas sem showdown.
O barulho no outro lado do salão denuncia: Mesqueu está em all in. O grupo no Whatsapp, no entanto, avisa que o carioca dobrou, me dando mais alguns minutos para tranquilidade. As mãos não vêm, os rápidos blinds de 15 minutos apertam e logo estou com cerca de 15 big blinds. Um jogador aumenta do começo da mesa, outro logo à direita paga e a ação chega em mim no small, com um belo T9 de ouros. Em uma situação normal, provavelmente eu apenas daria call, sabendo que pode não ser a jogada ideal para essa faixa de stack, mas teimoso demais para largar uma mão linda dessas. No entanto, eu precisava de fichas para seguir revezando jogo e trabalho, por isso decidi ir all in.
Para minha surpresa, os dois deram call, mas o showdown me animou, com um segurando KQ e o outro KJ. “Nunca perdi um pote com essa mão”, menti confiante, como se pudesse, de alguma forma, alterar o resultado. Um T apareceu no flop e ainda acertei um desnecessário 9 no river para puxar o pote e acumular um stack confortável. O torneio começava a afunilar e companheiros de imprensa já me motivavam a levar o torneio mais a sério. Seguindo a postura maluca, dei um call pré-flop pra lá de questionável com QJ e acabei eliminando o adversário, que tinha AJ, e aumentando ainda mais meu stack.
Novamente, gritaria do outro lado do salão e dessa vez era definitivo: Affif Prado era o novo Campeão Brasileiro de Poker. Imediatamente me levantei e parti ao encontro do jogador de Palmas (PR), que já se encontrava em lágrimas e sendo abraçado por muitos amigos. Concluída a entrevista, era a hora de escrever a matéria, de tamanha importância que não podia ser feita às pressas ou de qualquer jeito, com todo o processo levando cerca de uma hora. Retornei com o torneio já com apenas duas mesas e o meu antes gigantesco stack reduzido a cerca de 15 big blinds novamente.
Com a tranquilidade de que o próximo campeão não seria definido por algum tempo, decidi, então, jogar mais tight, e meu stack pouco se alterou até a formação da mesa final. Uma participação que começou apenas pela diversão agora tomava um ar mais sério e um pouco de nervosismo me atingiu. Afinal, havia apenas oito jogadores no meu caminho até um pacote completo para o PCA. Foto oficial da FT tirada, era hora de colocar o meu conhecimento de poker no pano e tentar puxar a vaga.
Foi então que o baralho decidiu descontar toda a sorte que eu estava tendo antes. A mesa rodou em fold até Emerson Sheik, que estava no small blind, e após pensar por alguns segundos, ele me coloca em all in. A adrenalina vai a mil e chega a hora de filar as cartas, até então imóveis, protegidas por uma ficha. A primeira foi um às. “A primeira é boa”, disse, já praticamente decidido pelo call. Filo um T na segunda carta e dou o instacall, vendo que estava em boa posição para dobrar contra o A8 do profissional.
O flop trouxe T92 e o coração já deu uma tranquilizada, mas não comemorei, consciente da maldição de celebrar antes da hora. Peço um 2 para já encerrar o pote por ali, mas o dealer coloca um 6 na mesa, abrindo a broca do 7 para Sheik. Em um segundo que se repetiu muitas vezes em minha cabeça naquele dia, o dealer queimou mais uma carta e colocou o 7 no board, para o meu completo desalento. Acabava ali o sonho de dividir uma mesa com grandes nomes do poker mundial. Bati na mesa, me levantei, desejei sorte para os sobreviventes e deixei minha última falinha. Era a hora de voltar ao trabalho, porque o Millions ainda pulsava com ação.
Horas depois, ainda entrevistei Guilherme Furlan, campeão do torneio e que terá a experiência incrível de jogar um dos principais evento do circuito mundial. Não deu para evitar aquela pontinha de inveja, mas fica aqui meu desejo de boa sorte para ele e todos brasileiros que se aventurarem nas Bahamas. Em frases que já ouvi centenas de vezes da boca de jogadores, digo que saí feliz com o meu jogo e agora é levantar a cabeça e partir pro próximo. Parabéns aos profissionais que possuem esse controle emocional. Eu? Não esquecerei daquele 7 tão cedo.