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Mateus Lessa - BSOP SP
Mateus Lessa - BSOP SP

As próximas linhas que eu vou escrever não serão fáceis. Preciso tomar cuidado com cada palavra a ser utilizada. Mas, para começar esse texto, eu preciso situar o necessário, por mais duro que seja.

Há 12 dias, o nosso amigo Mateus Lessa, o Matu, jogador com quase uma década de poker, se despediu do pai, Sávio, de maneira inesperada. Foi um choque. Para Matu, seus quatro irmãos, mãe, familiares, amigos. Todo mundo. Ele usou a palavra impactante. Então eu também vou usar. Foi impactante.

O BSOP abriu um espaço jamais feito antes para Matu, ainda em luto, falar para as centenas de jogadores que estavam presentes. Quem ajudou nesse meio-campo foi o Vitão, que até ofereceu a chance dele dizer o que sentia na transmissão ao vivo, mas ele insistiu para discursar em público. Ele queria passar uma mensagem olhando no olho dos amigos de mesa.

O discurso foi muito, muito bonito. Matu usou as palavras certas. Foi preciso. Falou o que o coração sentia na forma mais pura, num misto de dor, saudade, tristeza e vários outros sentimentos. Eu vi muita gente emocionada com a serenidade que ele falou daquele jeito, tão pouco depois do ocorrido.

Ainda durante o discurso, eu olhei atentamente para o salão, lotado de jogadores. Um respeito admirável ao som que ecoava com a voz de Matu. Comecei a pensar e fui longe numa rápida viagem. Em que outro lugar isso aconteceria a não ser no nosso meio? A “comunidade do poker”, como nós, da imprensa, gostamos de repetir, e vocês também repetem.

É essa união que torna esse jogo diferente e querido. O poker reúne pessoas legais, de fato. Tive mais um flash. Lembrei da brilhante campanha da CBTH, lançada no ano passado: “Jogue poker, faça amigos”. Pronto. Tudo o que estava acontecendo passou a fazer sentido como numa melodia perfeita. As palavras de Matu, o respeito nos olhares e todo esse contexto.

O único pedido foi um minuto de silêncio, em homenagem a Sávio. Matu fez uma ressalva: aplausos a partir do 11o segundo, seu número da sorte, até tatuado na pele. O silêncio desses 11 segundos no salão do torneio fez um barulho tremendo. Sinceramente, não consigo mensurar o turbilhão de emoções que devem ter passado na cabeça do nosso amigo.

O jeito que ele lidou com essa situação mostra o quanto é diferenciado. Naquele momento, eu enxerguei o reflexo da comunidade nele. O Matu é uma síntese perfeita de como é a grande maioria das pessoas que joga poker no Brasil: batalhadoras, alegres, extremamente extrovertidas, companheiras, brincalhonas, amigas. Quaisquer adjetivos ou sinônimos nesse sentido. O Matu é tudo isso.

Ali eu percebi como somos privilegiados de ter a sensação de pertencimento de fazer parte desse grandioso círculo de construção de vínculos que é o poker. O Matu foi abraçado várias vezes no sentido literal, mas também foi abraçado pela compaixão e os olhares sinceros de muitas outras pessoas, que possivelmente nem o conheciam.

Matu, eu queria dizer, em nome de muitas pessoas, que a comunidade do poker está com você nesse momento. A sua dor é nossa. Estamos contigo.

Eu conversei com o Matu por exatos 19 minutos para escrever uma entrevista, logo depois dele ter classificado para o Dia 3 do Main Event. Depois, achei que o melhor a ser feito era escrever esse texto. Vou deixar registrado algumas passagens incríveis da aula de serenidade para vocês.

Matu - BSOP SP
Matu jogou o Main Event e terminou numa honrosa 49ª colocação de 1.046 entradas

Confira:

Voltar para aquele momento é voltar para muitas coisas que passaram pela minha cabeça. O Vitão falou pra fazer algo, até possivelmente na transmissão. Por mais que a transmissão abranja mais pessoas, eu pedi pra ele que eu pudesse falar algo mesmo na hora. Passar uma mensagem, mais do qualquer outra coisa, conseguir atingir de maneira positiva, tantas pessoas que gostam de mim, que se importam comigo, para uma notícia impactante.

Estou no meio do poker há oito ou nove anos e tenho muito orgulho de chamar cada dealer, cada funcionário pelo nome. Cada um me chama de um jeito: Lessa, Matu, Mateus, até 11. Ali foi um momento para eu poder passar, de uma vez, para quem estava aqui, algo que o meu coração estava mandando eu dizer.

Não estou numa posição, e nem quero estar, de querer ser mais forte do que eu sou, de querer blefar as pessoas para algo tão humano. Eu queria muito propagar uma imagem do bem. Bater nessa tecla. As pessoas têm uma propensão, quando acontece algo assim, a demonstrar o sentimento delas, com sentimentos que são de raiva contra a violência. E no fundo, mesmo como tenha sido como foi, não é nada disso que eu quero.

Pra quem sempre me imaginou sempre pra frente, brincando, fazendo piada, me divertindo com o quer que fosse, imagino que seja difícil pensar no que eu estou pensando. Se eu não vou acumular raiva de quem fez isso, ninguém tem o direito de fazer isso pra mim. Me mandem energia boa. Torçam por mim.

Foi muito bacana conseguir me manter sereno, recebi todos os abraços, um por um. Eu não estava decidido a jogar. Queria fazer o que eu gosto. Pelo meu pai, o que eu posso fazer para sempre, é dar o meu melhor. Pensar antes de cada decisão, pensar no mundo, no meio ambiente, no amor ao próximo.

Eu senti que depois que eu fiz o discurso, muitas pessoas vieram falar comigo sorrindo. Muitas que eu nem conhecia. Meus amigos sacaram a mensagem, vieram com uma pegada diferente. Eu me sinto muito forte, muito pronto, bem para falar do que passou. Quando você compreende que os processos acontecem e a vida acontece da maneira que tem que ser, isso é maior do que qualquer outra coisa.

Agora, nada vai me deixar triste”, Mateus Lessa.

No final desse vídeo do BSOP, dá para ver um pouco do minuto de silêncio: