Na data de hoje (8), é comemorado o Dia Internacional da Mulher. Para mostrar a representatividade feminina em um esporte predominantemente composto por homens, o SuperPoker traz momentos históricos das mulheres no poker.
Gabriela Belisario foi a grande campeã do BSOP Belo Horizonte, em 2008. A jogadora superou um field de 109 jogadores e entrou para história do poker nacional como a primeira mulher campeã do Main Event do maior circuito de poker do hemisfério sul.
Gabriela não é profissional de poker, tendo formação em psicologia e exercendo a profissão há nove anos. Cresceu jogando cartas com seus familiares e conheceu o poker com seu avô. Sua conquista possui diversas peculiaridades, mas por muito tempo enfrentou um velho desafio do jogo: o preconceito.
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Em entrevista, Gabriela conoua sobre as histórias daquela conquista, que completa 10 anos em 2018, os desafios de uma mulher jogando poker naquela época, a representatividade feminina no cenário atual do poker e também sobre a reestreia do PokerCast, programa apresentado por seu marido, Marcelo Lanza. Confira:
Em 2008, você foi a primeira mulher campeã brasileira de poker. Em um primeiro momento, você disse que não sabia dessa informação. Quando descobriu, qual foi o sentimento de saber que iria fazer parte da história do esporte no país?
No primeiro momento, eu não tinha a informação que eu era a primeira mulher a ganhar o Main Event, eu nem tinha a informação que estava jogando o Campeonato Brasileiro de Poker. Eu fui descobrir na mesa final, quando já tinham caído algumas pessoas e eu olhei para o telão e vi Brazilian Series of Poker. Aí eu notei que era um campeonato nacional, não tinha percebido isso. Eu tinha pouco tempo no poker e ali eu estava apenas querendo jogar um torneio grande que teria na minha cidade. Não fazia ideia do que era o BSOP, do que isso representava e também não sabia que nenhuma mulher tinha conquistado esse título. Tanto é, que no calor do momento eu dei o meu troféu para um amigo, pois eu não podia chegar com o troféu em casa, ninguém podia saber que eu ganhei e não ia contar para os meus pais. Em outro momento, no dia seguinte, quando eu vou para uma casa de poker, que era onde tínhamos um home game em Belo Horizonte, um dos jogadores me falou que eu tinha sido a primeira mulher e que dali a 10 anos eu ainda seria a primeira a conquistar um título do Campeonato Brasileiro de poker. A partir daí que a minha ficha começou a cair e que aquilo era uma grande conquista. Eu não fazia ideia e hoje o poker vem em uma ascensão gigantesca. O campeonato que eu ganhei tinha 109 pessoas, hoje tem milhares, até mesmo os torneios regulares de onde moro o número é maior do que da época. Foi uma grande conquista para mim, mas eu não fazia ideia que isso iria entrar para a história, que 10 anos depois eu ainda seria reconhecida e isso é muito bacana. Depois que a ficha caiu e eu conversei com meus pais, ficaram satisfeitos com a conquista e foi muito bacana.
Além do título, quais são as lembranças mais fortes daquela conquista?
É até engraçado falar das lembranças do dia, pois como eu não sabia qual campeonato estava disputando, foi tudo muito leve. Quando soube que Belo Horizonte iria receber um grande campeonato e o poker ainda estava crescendo naquela época, fiquei muito afim de jogar, mesmo com tanto preconceito que havia há 10 anos. Naquela época eu fumava, levantava da mesa antes de ser a minha ação, sabia das regras do poker, mas não sabia das regras para disputar um grande campeonato. No dia, achei que tinha mudado a minha vida, que estava rica, que iria comprar um carro, o que não aconteceu. Foi muito legal que comemorei com o pessoal depois, mas perdi uma prova na faculdade, praticamente formando e o professor não aceitou que eu a fizesse depois, só no final do semestre, mas deu tudo certo, consegui ser aprovada na matéria. E depois que contei para meus pais, pedi para o meu amigo o troféu de volta e ele me devolveu, meu pai ficou muito orgulhoso e minha mãe muito receosa. Hoje, a situação mudou, ele é receoso e ela muito orgulhosa.
Você é psicóloga. Qual é a vantagem de ter essa formação em um jogo entre pessoas?
Eu sempre achei que ser psicóloga era o meu diferencial. Considero-me uma pessoa extremamente observadora em tudo. Eu adoro jogo desde criança. A questão do poker envolver apostas foi algo que não foi bem vista dentro de casa, como se eu não fosse menina de família por estar jogando poker. Na época da faculdade, eu tinha muita vergonha de contar, pouquíssimas pessoas sabiam que tinha ganhado o BSOP e que frequentava esse meio. Um professor queria muito que eu escrevesse um artigo sobre isso, mas na época eu fiquei muito envergonhada. Recentemente eu comecei a escrever algo, mas parei, pois não tem tanto conteúdo para o que eu tinha proposto escrever. Outra coisa que me deu bastante de vantagem foi ser dealer, pois eu nunca estudei o jogo e nem li livros. Exerci essa função numa época que praticamente não existia, pelo menos em Belo Horizonte. Conversava muito sobre as mãos, sempre dava muita atenção ao que estava acontecendo e observava cada jogador, como eram as apostas deles e como reagiam. Ficava imaginando quais mãos eles teriam e quando ia para o showdown eu via se estava certa. Enquanto jogadora, essa visão não é tão pura, pois tem outros fatores envolvidos, mas acho que as duas grandes vantagens foram minha formação e ser dealer na minha cidade.
Hoje, como é a sua rotina com o esporte?
Diminuí muito o poker na minha vida depois da vitória no BSOP. Minha família ficou preocupada com aquela vitória, minha mãe se preocupou de eu querer mudar a minha vida, de entrar nessa carreira. O poker era algo que ainda tinha muito preconceito, por isso me afastei. Acabei voltando aos poucos, nunca tive uma amostragem muito grande de torneio live. O máximo de torneios que acabei jogando foi o ano passado, quando disputei 20 torneios, uma amostragem muito pequena. Sempre levei o poker como hobby mesmo, eu adoro jogar, gosto do social, adoro poker live. No online, eu jogo Sit and Go, mas não tenho uma disciplina, é algo muito mais recreativo do que no ao vivo. No live tem o social, de ver grandes amigos, ver pessoas que a gente gosta, conversar e observar. O poker na minha vida é algo gostoso, que eu faço no final de semana ou em dias de semana quando no outro dia estou mais tranquila. Ano passado foi o momento que estive mais próxima do poker e acredito que esse ano estarei ainda mais, porque meu marido começou com projetos dentro do poker e acaba virando uma companhia. Acredito que esse ano eu vá jogar mais torneios no ano. Tomara que de certo.
No ano passado, você disputou o Torneio dos Campeões do BSOP. O que achou dessa ideia da organização e como foi o seu desempenho na competição?
A experiência do Torneio dos Campeões foi sensacional e indescritível. Tinha uns cinco ou seis anos que eu não jogava nenhum BSOP e ele mudou demais de lá pra cá. Acabei não indo muito longe, mas foi muito legal conversar com a galera e conhecer. Foi muito legal mesmo. Tive a oportunidade de jogar o Main Event, passei para o Dia 2, mas cai longe do ITM, joguei o Start-Up e fiquei em uma posição relativamente boa. Foi muito divertido, saímos, fazia tempo que eu não via a galera de São Paulo e essa reunião social foi a melhor. Gostei demais de ter participado e mesmo o desempenho não tendo sido o que eu esperava, superou minhas expectativas, o evento foi sensacional em um lugar maravilhoso.
Há duas semanas, o programa Pokercast voltou ao ar e o Marcelo Lanza, seu marido, é um dos apresentadores. O que achou do retorno do podcast e qual foi a repercussão dele?
Eu nunca tinha escutado o Pokercast. Comecei a escutar na volta do Torneio dos Campeões, quando voltei com o [Guilherme] Kalil. Ele não acreditou e colocou um programa para eu escutar. Gostei demais, a dinâmica é sensacional. O Gui e o [Marcelo] Lanza têm uma sintonia que parecem irmãos e é muito bacana o desenvolvimento: leve, um programa engraçado, mas que te faz pensar, rir e lembrar de algumas coisas. Meu marido disse que eu não tenho mais escape, que terei que escutar todos, para fazer minhas críticas. Eu não sabia que eles eram tão reconhecidos com esse trabalho. O pessoal no PokerStars, quando via o nick dele, sempre falavam para voltar, em Belo Horizonte o pessoal também o reconhecia. Estou muito orgulhosa dessa conquista, eles e o poker merecem, porque é algo que eles sabem fazer muito bem, com muito profissionalismo e muita leveza.
No último dia de 2017, Vanessa Selbst anunciou a sua aposentadoria no poker. O poker feminino perde um pouco de representatividade?
Ela é um fenômeno. Eu não sou uma pessoa que acompanha muito o cenário do poker, mas agora ele vai entrar ainda mais na minha vida, em que irei acompanhar mais o noticiário. O que eu posso dizer é que quem se aposenta se dá bem né. Igual o Rafael Caiaffa, que conseguiu vários anéis da WSOP depois dessa aposentadoria. O poker perde uma grande representante, mas eu acho que essa aposentadoria para quem gosta de poker, não tem como largar totalmente. Eu acredito que a Selbst não vai levar tanto para o lado profissional, mas é claro que ela vai jogar quando sentir vontade e tenho certeza que vai continuar representando muito bem o universo feminino, que cada vez está se firmando e crescendo.
No ano passado, Vivian Saliba conseguiu um excelente resultado no Main Event de Omaha da WSOP, e no início do ano, a argentina Maria Lampropulos se tornou a primeira mulher campeã do Main Event do PCA. Qual a importância de mulheres conquistando grandes resultados para popularizar o esporte?
Tive a grande honra de jogar na mesa com a Vivian Saliba no 888poker LIVE do ano passado, elogiei horrores. Não a conheço, não sigo a carreira dela, mas tenho a noção do fenômeno que ela é no Omaha. É uma pena que ela não esteja no Brasil, mas ela tem que voar mesmo e conquistar o mundo. Eu desejo que as mulheres cada vez tenham mais resultados, nós somos uma minoria com grande representatividade e que acho muito legal. Aqui em Belo Horizonte nós também temos um grupo de Whatsapp, em que a gente torce muito uma pela outra. Temos uma média de 5% a 10% do field e quase toda semana tem uma mulher na mesa final. Tem alguma coisa de diferente aí, que temos essa vantagem, porque é um universo pequeno com grande representatividade. Quanto a Maria, eu fiquei muito feliz. Não a conheço, não sigo nada do trabalho dela, mas quando eu soube, fiquei muito feliz. O fato de ter uma mulher representando é muito legal, porque as mulheres ainda sentem receio de entrar nesse universo que é muito masculino. Quanto tempo essas grandes mulheres fazendo esse papel, agora também tem a Luiza Simão, quando tem esses resultados é muito bom para todas nós, acaba virando uma comunidade para que tenhamos essa igualdade. Somos um pouco segregadas ainda, para que depois possamos participar desse universo de igual para igual.
Qual a melhor jogadora da atualidade?
Falar da melhor jogadora da atualidade é complicado, temos grandes nomes, mas se fosse para escolher uma, acho que a Vivi [Saliba]. Ela está representando muito bem, uma menina extremamente inteligente, comunicativa, com grandes resultados, super simples e tranquila. Eu fiquei muito fã dela, ela não vai lembrar de mim, mas com tão pouco tempo que ela ficou na minha mesa, pois acabou caindo rápido do evento que jogamos juntas, foi uma simpatia de pessoa. Não diria a melhor jogadora, pois quem sou eu para escolher, mas é a que estou mais admirando no momento.