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O Gambito da Rainha e a mística feminina
O Gambito da Rainha e a mística feminina

Natal está chegando e o presente nós já ganhamos antecipado: a melhor série do ano! Unanimidade da crítica, O Gambito da Rainha é um sucesso global impressionante. Além da atuação fantástica dos atores e da fotografia deslumbrante, tenho segurança em dizer que é uma das melhores séries sobre jogos da História. Para os amantes dos esportes da mente, é um triunfo atraente cheio de emoção, enigmas, dramas e fantásticas interpretações da obra de Walter Tevis, lançado em 1983, com adaptação de Scott Frank.

Ao contrário do que muitos espectadores pensam, a série não é baseada em fatos reais, e sim em uma ficção. Nessa história, Beth Harmon é uma órfã de 8 anos, com capacidades incríveis para o xadrez, que desenvolve, no orfanato em que vive, vício em tranquilizantes. Não darei spoilers, pois acredito que muitas e muitos de vocês não tenham visto a série. Se você ama poker, aposte na série como um bom programa recomendado. Além se ser cheio de reviravoltas, o glamour, atrelado à pouca vaidade, tornam a enxadrista Beth singular e ao mesmo tempo extremamente vulnerável em um mundo liderado por homens.

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Sentada atrás de um tabuleiro de xadrez, a personagem parece estar habituada perfeitamente à década de 60, nos EUA. As partidas eletrizantes de xadrez, como em qualquer bom filme, fazem você torcer e prender a respiração, tudo graça às habilidades, talento e precisão da equipe, dos atores e do roteiro. Nada mal para quem teve como consultor Bruce Pandolfini e Garry Kasparov. A série é inteligente, suave e veloz do começo ao fim; a produção se encarregou perfeitamente do estilo retrô nas decorações e textura das imagens, tudo impecável.

Nós, que pensamos seguidamente o poker como metáfora para nossas vidas, nosso cotidiano e nossa rotina de evolução pessoal, percebemos sem dificuldades que a enxadrista da série, Beth Harmon, também sabe o significado das batalhas espirituais, da curva do aprendizado, da avaliação interna, do recuo do jogo ou avanço da técnica, tudo isso em uma década de repressão e solidão das mulheres. No final da década de 1950, nos EUA, a faixa etária relativa ao casamento havia baixado para 20 anos entre as mulheres americanas e continuava a cair, descendo à adolescência. Havia 14 milhões de jovens noivas aos 17 anos. No início dos anos 60, o índice de natalidade nos Estados Unidos aproximava-se da Índia. Nessa época, existia o que a feminista Betty Friedan chamou de “o problema sem nome”, no incrível clássico “A mística feminina”.

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Mesmo O Gambito da Rainha sendo a série aclamada do ano pelos expectadores e pela crítica, mesmo com a inteligência coletiva sendo acionada, mesmo com o aumento espetacular da procura pelo xadrez no Google e na Amazon, um ponto talvez passe despercebido para muitos: a condição feminina. Na época em que a série foi ambientada, nos EUA, surgiu o começo do movimento feminista que chamamos de Segunda Onda. Espero chamar a atenção aqui para que, além da perfeição estética, das atuações e do próprio xadrez, saibamos observar a evolução da personagem mulher Beth Harmon pelos salões lotados de homens e sua confiança.

A série também é incrível por nos proporcionar compreender a história de opressão e libertação das mulheres revelando subjetivamente mecanismos de controle de gênero, afirmando o que nem sempre é óbvio em uma sociedade machista: as mulheres geniais, as mulheres campeãs, as mulheres heroínas, as mulheres vencedoras, cada qual com suas particularidades. Descontruímos o discurso do patriarcado quando falamos sobre essas mulheres em nossas legendas, posts, reflexão, diálogo. Essas mulheres existem. O feminismo é importante para a História, para a nossa história, tanto no xadrez quanto no poker.

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Em memória de Mercedes Henriques
Mercedes Henrique foi uma grande embaixadora do jogo
Mercedes Henriques foi uma grande embaixadora do jogo

A Liga Brasileira Feminina de Poker, o grupo Queens of Poker e o poker brasileiro, agradecem à Mercedes Henriques por sua dedicação ao esporte da mente. Mercedes foi precursora do poker feminino online no Brasil, organizando eventos para as mulheres e disponibilizando sempre conteúdo que promovia o poker, sempre com o objetivo da democratização do esporte. Com certeza o poker feminino perde muito com a partida da Mercedes, vítima de Covid-19. Mercedes também foi parceira de muitos projetos, entusiasta, apoiadora e fomentadora do poker feminino no Brasil. Quem teve a honra de conhecê-la sabe a pessoa de coração maior que ela; trabalhadora, doce e querida. Essa é Mercedes Henriques. É e sempre será nossa eterna Rainha. Que Deus a receba e conforte a todos nós, familiares, amigos, colegas e a todas as pessoas que ela alcançou com seu trabalho, bondade e dedicação.

Confira as pílulas do Pokercast: