Em uma mesa de poker, estou sentado com um jogador, já na sua meia-idade e que olha para o celular e fala: “I hate Donald Trump!”, no nosso idioma “Eu odeio Donald Trump!”. Eu pergunto o porquê o presidente dos Estados Unidos lhe causa esse tipo de reação. Ele diz, assertivo e febril: “Ninguém que pense racionalmente pode gostar dele”. É assim que começa o meu papo com Daniel Negreanu.
A mesa não tem fichas e nem cartas, é apenas o lugar ideal para ligar o gravador e falar com ele. Acredito que tenham sido quatro oportunidades nas quais pude ouví-lo, uma em São Paulo, duas em Las Vegas (sendo uma no Hall of Fame 2014) e agora aqui em Barcelona. Não posso me demorar muito, visto que ali os campeões de evento do EPT tiram suas tão sonhadas fotos de campeão.
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Daniel Negreanu está sempre no olho do furacão. Aos 44 anos, o canadense segue despertando os olhares mais entusiasmados, da comunidade do poker e fora dela. Ao encontrar com ele em Barcelona, tive que esperá-lo antender muitos fãs que passavam pela mesa onde o entrevistaria. Como não basta ser repórter, tem que participar, ajudei tirando as fotos e agilizei o começo da entrevista.
Nela, conseguimos falar objetivamente de projetos de vida, haters, a polêmica do “Mais rake é melhor”, a perda da liderança da All-Time Money List do Hendon Mob, comparações com ídolos de outros esportes e até FILHOS! – Ele não se incomoda em falar nada, como disse antes da entrevista. Ficou um pouco mais inflamado ao ser perguntado sobre se poderia estar entre os jogadores do passado que não evoluíram, mas nada demais. Um papo com um craque desse tamanho sempre nos deixa maiores. Confiram!
Eu te vi na cerimônia do Hall da Fama há quatro anos, o que mudou na sua vida desde então?
Eu tenho jogado poker há 20 anos agora, e é sempre uma paixão, tento achar maneiras de me motivar, mas uma coisa que mudou é que talvez agora eu pense em ter filhos, casar, esse tipo de coisa.
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Qual é a sensação de ser um membro do Hall da Fama do poker?
É muito especial, quando eu tinha 22 anos e ia jogar a WSOP, via as fotos na parede, e você sonha em um dia estar na parede, entre um grupo muito pequeno de pessoas. Para ser sincero, antes de entrar eu não estava ligando, porque sabia que isso aconteceria, que tenho o currículo para isso, mas depois que o momento aconteceu eu realmente percebeu quão especial foi.
A essa altura da sua carreira, como é ter que lidar com haters no Twitter, especialmente sobre política e outros assuntos?
Eu tenho lidado com os haters por 20 anos. Quando você se coloca em uma posição de ser uma figura pública, algumas pessoas não gostam de você apenas porque você é feliz. As pessoas encontram coisas que não gostam em você, mas se você focar seu tempo e energia nas coisas negativas, isso afeta sua vida, se você ignora é melhor. Não me machuca ver as pessoas dizendo coisas más como “eu quero que você morra”, ok, venha aqui e faça isso.
Isso não te afeta de forma alguma?
Pode ser irritante quando as pessoas inventam mentiras, espalham essas mentiras e as pessoas começam a acreditar nisso, então ou eu apareço e corrijo a mentira, ou deixo para lá. Se eu ignorar, as pessoas começam a acreditar nisso, te envolvem, acontece drama, então pode ser irritante.
Quais são seus planos nesse momento de carreira? O que você planeja para os próximos anos? Você falou sobre ter filhos…
Meu plano é continuar jogando todos os grandes torneios e coisas assim, mas definitivamente vou focar mais em coisas de embaixador. Quero fazer mais atividades de base, como o Moneymaker Tour, um torneio de buy-in US$ 86, ir e encontrar os fãs, trazer mais pessoas para o jogo, assumir esse papel de uma forma maior.
Como você se sente sobre a liderança de Bonomo na lista de maiores ganhadores, e você acha que ele manterá a liderança tanto tempo quanto você?
Eu não acho que ele conseguirá se manter por tanto tempo quanto eu, fui o líder na maior parte da minha carreira. Agora os buy-ins são tão altos, em seis meses ele ganhou o que eu levei 20 anos para construir, porque agora os números são tão grandes, e porque é um grupo pequeno de pessoas, todos vão subir seis ou sete milhões por ano, então eu acho que veremos mais mudanças na lista agora.
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Como você vê jogadores como Phil Ivey e Erik Seidel, da sua geração, quando você compara com jogadores que vieram do online, como Fedor Holz e outros grandes nomes?
Honestamente, o jogo mudou muito, então você vê poucas pessoas da minha geração, como Ivey e Seidel que você citou, que conseguem ser competitivos, mas a maioria deles não é, porque os meninos são muito bons. Mas Seidel tem muita experiência, Ivey é o melhor no que ele faz e eu trabalho duro para aprender dos mais jovens. Então é um estilo diferente de poker, mas os jogadores mais velhos que são bons ainda encontram maneiras de vencerem.
O que você diria se algum desses jovens dissesse que você não é mais competitivo?
Eles têm dito isso há 20 anos. A cada três anos, dizem “ele está acabado, está velho, ultrapassado”, mas eu digo “continue dizendo isso e eu continuarei ganhando, você pode falar até que eu tenha 100 anos, mas eu seguirei vencendo”.
Já que você falou sobre ter 100 anos, você pensa em se aposentar do poker em algum momento?
Poker é divertido, não é como futebol ou basquete, que você fica velho e não consegue mais jogar. Poker eu posso jogar até que eu esteja morto, então planejo jogar para sempre.
Você foi, sem dúvidas, um dos jogadores mais importantes para o poker, a que estrela do esporte você se compara?
Eu diria, quando eu era mais jovem, Andre Agassi. Eu sentia que parecia um pouco com ele, ele trouxe um estilo diferente para o tênis, a imagem dele, ele mudou a maneira como o jogo é jogado, usava roupas diferentes, cabelo longo, apesar de ser careca agora (risos). Então acho que ele tinha um brilho talvez similar ao meu.
O que você pode dizer sobre a frase “More rake is better” (“Mais rake é melhor”), que teve uma grande repercussão, e as provocações de Doug Polk?
É quase como na política, quando escrevem artigos te atacando. Eles não usam o que você realmente falou, apenas pegam um pedaço e mudam aquilo para algo totalmente diferente. Então a questão é “mais rake é melhor”, mas qual o resto da frase? Ele diz? Não diz, então explique o que eu disse e não use apenas um pedaço disso. Não havia o objetivo de fazer algo honesto, foi desenhado para me atacar pessoalmente. Eu não acredito que rake é bom para o poker, eu nunca disse isso, eu especificamente estava falando que, para jogadores fracos, eles têm que enfrentar duas coisas: rake e bons jogadores. O que é pior para eles? Enfrentar bons jogadores ou ter um rake um pouco maior? Obviamente, é melhor para eles jogarem contra nenhum profissional, então se não há profissionais é melhor para essas pessoas. Ainda assim, eles provavelmente não ganharão, mas têm uma chance melhor sem os profissionais. Ponto final, é óbvio, nada do que eu disse é sequer controverso, mas ele transformou em algo grande.
A primeira coisa que você precisa ver se quer ser um profissional de poker é quem está no jogo e quão bom eles são, se eles são bons, não jogue, se são ruins, jogue. A segunda coisa que você se preocupa é o rake. Se você está enfrentando os três melhores jogadores do mundo, não importa que não exista rake, você ainda vai perder.
Como você lida com jogadores com visões políticas diferentes, que fazem comentários contrários às suas opiniões?
Honestamente, no poker, não existe tantos que têm diferente visões políticas. Eu respeito pessoas com diferentes pontos de vista, mas é diferente quando o assunto é o Trump. Você pode ser conservador, ter diferentes opiniões, e nós teremos uma bela discussão, mas alguém que apoia este homem, que ataca mulheres, minorias, se você ama esse homem, então não temos muito em comum.
Então você não encontra muitos fãs do Trump na indústria do poker?
Não muitos, são poucos, e eu não tenho nenhum amigo que apoie ele.
Você tem planos para visitar o Brasil? Estamos te esperando lá!
Eu preciso ver meu calendário, a última vez que estive lá foi em São Paulo e ainda não voltei lá, mas definitivamente quero ir outra vez.
Pode mandar um recado para os fãs brasileiros?
Obrigado… não consigo lembrar as outras palavras…
Vamos beber cerveja, “let´s drink beer”!
“Cervecha”, yeah (risos).
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